terça-feira, março 09, 2010

De meu pecado faço crime.


Das variedades de pecados e crimes que me ocorrem agora, destacam-se os inconstitucionais, os telepáticos, os sutis, concretos, passionais e até mesmo ilógicos. Mas saiba tu, saprófita de regulares períodos, que as tais categorias dispostas acima não alimentam sequer a circunstância em que me encontrava a planejar aquele pecado/crime que, teoricamente, me faria inocente pelo silêncio e capaz de conduzir tudo ao rigor do pensamento, da idéia.

E eis que agora me encontro em um dilema doloroso, o qual me faz hesitar entre confessar as mais sujas e inescrupulosas maldades que cometi nesta úmida e murcha tarde e esconder de ti a anedota de maior significado a meu cálido e expressivo ser. Contudo, apesar de haver tempo além do que pode mensurar para que eu me decida, prontificarei-me a uma alternativa, e contarei em criptografada mensagem o que de tão errado fiz:

Foi no retorno para casa, após exatas quatro horas de dedicação e construção de felicidade duvidosa, que dei-me a refletir sobre os que me acompanhavam no trajeto, isto é, naquele caixote móvel, extenso e ruidoso havia também seres que, como eu, se flagelavam arduamente para dar cor e impulso a uma vida de aspecto penoso e sofrido. Mas dentre aquelas faces pálidas de cansaço e solidão amarga, se contrastava uma de cor viva e salpicada de pigmentos rosados nas bochechas, a qual vez ou outra se arriscava a lançar-me certa atenção, ainda que apenas eu a bombardeasse com monólogos apressados e desconexos, e saturasse o que restava de desconfortável e inquietante silêncio entre 'nós'.

Confesso que isto se seguiu por apenas dois dias, e é sabido que não se pode chamar de dia o que se limita a uma dezena escassa de minutos famintos e pontuais - sim, eu rezava para que o tempo se perdesse nas perigosas curvas que fazia o apressado motorista, com tensão só não comparada àquela do médico estagiário de um hospital regional qualquer, na realização de uma cirurgia cardíaca. E foi neste devaneio infantil de ter mais e mais dezenas de minutos com a tal face em contraste, que, talvez por estupidez inócua, me senti tocado por um pensamento com teor humorístico ímpar: E se um pneu implodisse ? E se um temporal não permitisse que prosseguíssemos com a viagem ? E se levados fôssemos para um dimensão atemporal ? E se iniciasse uma chuva aterrorizante que nos obrigasse a dividir um grupo de lugares ? - eu em meu respectivo canto esquerdo, naturalmente.

Veja, portanto, leitor amado, que de meu pecado fiz crime, e acusado por ele seria feliz absolutamente.

4 comentários:

  1. Venho comentar com certo pudor por ser uma nova leitora e ainda não saber ao certo como comentar uma citação (de certa forma) pessoal.
    Devo dizer que escreve tão bem quanto conversa e, principalmente, argumenta! Gostaria inclusive de saber se há e quais são suas influências, quem sabe até discutir.
    Em síntese: me agradou muito o que escreve, ganhou uma nova leitora ^^

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  2. Esse se tornou, dos textos escritos por você, meu preferido u_u. Fiquei amadoramente embriagada, apesar da falta de um final brilhantemente satisfatório. Mas, aliás, foi isso que o tornou mais agradável ainda - um parêntese aberto, aguardando pacientemente (ou não) um desfecho.

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  3. Você torna as situações comuns, como se fossem parte de um grande livro de historias, e não as situações comuns como elas realmente são!

    One hit

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  4. Seu chato, faltou o final
    ¬¬

    Mas o texto ficou extremamente divertido...
    =D

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