segunda-feira, abril 12, 2010

O lirismo condicional.

Nesta manhã incolor e gelada (lê-se inquietante e depressiva), nenhum motivo tenho eu para pôr em papel ou em teclados aquelas anedotas frouxas e triviais que, apesar de tamanha insignificância inerente ao leitor, consigo maquiar com extensos e líricos parágrafos, além de viciar o diabo crítico pela naturalidade e recorrência das tolices tais. E foi nesta mesma manhã, especificamente no momento em que quase me sufocava no denso travesseiro de penas, que me ocorreu uma idéia (uma iluminação, como apontaria um Visconde peculiar), não semelhante apenas àquelas fixas e perturbadoras idéias, mas singela, proveitosa.

Tudo foi extremamente dinâmico; fato que tão logo me levou a suspeitar de que minha mente estivesse ansiosa por me transportar o pensamento reluzente, e sem hesitar prossegui com a reflexão involuntária - e digo involuntária pela circunstância em que estava inserido: sufocado, sonolento e, por assim dizer, amordaçado por um cobertor também muito pesado. Pensei em chamar por ajuda, mas minha avó jamais ouviria meus clamores com os ruídos ensurdecedores da lavadoura em estágio de centrifugação.

_ Certo, mente tola e hostil, você venceu seu próprio dono e merece os devidos galardões. Que queres tu depois de tão admirável triunfo ?

Em resposta, ou em absoluto silêncio, uma espécie rústica de apresentação de slides iniciou-se em meu delírio, e as lâminas projetadas em que julgo ser meu lobo frontal esboçavam fontes enormes de artigos que já se esvaíam da memória. Mas logo um padrão se estabelecia naquelas imagens, com vigor não só comparável ao de um alterofilista, e este apresentava-me em formato de denúncia minhas tantas técnicas de seduzir olhos indistintos - envergonhei-me prontamente, óbvio. O título daquele boletim pessoal de ocorrência trazia no título três malditas palavras : "O lirismo condicional" - das quais retirei propositalmente o que encabeça o presente artigo. E como também já lhe garanti a ausência de motivos pelos quais escreveria a anedota, leitor jurídico, não me açoita a responsabilidade de lhe conceder contos 'machadianos' memoráveis. E sigo.

A mente despertou por susto, e me parecera que a máquina terminara o estágio de centrifugação. Uma chance: "Vó!", e desta vez me certifiquei da realidade por um beliscão próximo ao ombro. Cuidadosa como sempre fora, veio como uma mãe ao detectar perigo acerca da prole, e trazia consigo uma xícara de café quente e um pão de aspecto novo.

_ Tome, Arthur, trouxe-lhe uma xícara de lirismo e um belo pão condicional, para que abandone de uma vez por todas estas conveniências literárias e saturadas de desarmonia. Ademais, três ou quatro comentam e lêem seus devaneios, e isto é suficiente para assumir uma postura de respeito e largar mão deste sentimentalismo juvenil imperfeito.

Suponho ter caído da cama, e a mente fazia escarninho de meu estado - maldita. Minha avó desaparecera do quarto, e de modo indelicado degluti toda a xícara junto do pão e, com onírico bem estar, sorri debilmente para acordar sob o efeito do tímido e caloroso sol.


2 comentários:

  1. Um bom final, Arthur, conseguiu manter a atenção para teu conto até mesmo em seu desfecho. A propósito, metáforas muito bem feitas no conto.

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  2. Jeito interessante de abordar a temática da escrita, e de certa forma eu me identifiquei. Embora, comigo, a centrifugação ocorra mais nos momentos de sono, ou quando estou em algum veículo. Seguirei você.

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