sexta-feira, março 19, 2010

Da cobiça declarada.


Posso observar agora, - e não que tenha me inclinado ao esquecimento ou leiguice em tempos pretéritos - que a tal cobiça, dita também pecado capital sob aspectos religiosos, era, para o cão que lhe escreve tamanhas heresias, um estigma notável e triste, o qual se mostra agora capaz de levá-lo à ruína em menor tempo do que aquele gasto por uma partícula alfa ao iniciar sua parábola lenta e caricata de encontro ao chão. Mas quero lhe apresentar durante estes períodos longos e confusos, leitor de amargos olhos, uma espécie de cobiça que afugentou em definitivo o ser que pôde captar em meu semblante rugoso o esclarecido desapontamento por certa citação inconveniente, a qual aqui também o será. Avalie:

Em ocasiões semelhantes àquelas que leitores mais fiéis idenficariam (textos anteriores), esforçava-se a moça para manter-se em pose vantajosa, isto é, preservar nos olhos do menino encantado a herança mais característica da Escola Romântica. Para tanto, quase imediatamente ao encontro, pusera-se ela em uma torre intimidadora e inalcançável, para fazer-lhe (digo, fazer-me) contemplá-la em níveis inferiores e desgostosos junto do tom imaculado da pele que se fez em um açoite faminto e esguio.

E foi no desenrolar do diálogo desesperado e diário a que submetia a dama - esta sempre se ausentava poucos minutos após minha interjeição gentil - que anunciou-me, suponho que com grande ingenuidade, a interferência de um personagem terceiro ainda sem figuração: um cortejador (e peço-lhe que verifique o significado de tal verbete em seu suporte linguístico vitalício, pois o mesmo reaparecerá em meus registros banais).

E em consideração ao que nomeei meu ponto-chave, lanço o desafio: Se através de olhar analítico e imediato uma dama for capaz de ver-se sob cobiça declarada de um cavalheiro, dou-lhe minha fé embrulhada em adornos de servidão, pois meu rosto se desfez em calor, em fúria e em unidades de mudanças fisiológicas, e a moça, serena e cautelosa, virou-se à porta e despediu-se com um sorriso como qualquer outro. O fim.

terça-feira, março 16, 2010

A fantasia 'bela' dos desavisados.


Nestas súbitas divagações que nos tomam parte e meia do tempo, encontrei-me vez ou outra em esquinas acinzentadas, cabisbaixo e torpe, a avaliar os vértices da verdade doída que sobrepuja fantasias anteriores - vide De meu pecado faço crime. Elucidado a esse respeito, assinalava em alguns instantes periódicos as forças motrizes que me conduziam ao sono terno da ilusão sem causa, e, projétil ansioso por sair do artefato assassino, me atraíam a deitar no véu onírico e cobriam-me a cabeça após cerrar os pés aflitos, famintos por caminhar !

Quando chegou ao conhecimento dos presentes tamanha indiscrição, os mesmos puseram-se a sintetizar idéias e a buscar, em suas veias socráticas e platônicas, uma maneira pouco elaborada de me presentear com a verdade absoluta e conferir aos meus ouvidos um negativismo saudável, o qual me faria retornar à integridade cognitiva e enviar para um ambiente de inércia aquela distração deletéria. Naturalmente não o fiz, e por este triste, e talvez feliz, motivo, recorro aos olhos públicos para definir o julgamento da noite passada, para espantar de minha mente confusa os fantasmas dos laços amorosos juvenis, para tentar ouvir um eco de sentimento do grito que silencio por nada ter a clamar.

A dama agora se distrai com outros textos, com outros sons que não minha voz apressada e ressonante, e a fantasia bela dos desavisados soa com uma frase estridente e fria, carregada de naturalidade e doçura, anunciando, aos berros, as agradáveis circunstâncias de um amor - talvez pelo tempo que perdi naquelas esquinas cinzentas a esperar meu vigor psíquico exaltar-se - correspondido.

Ausente em forças, leitor que ri e contorce, choquei a cabeça contra o banco desconfortável e pus-me a realizar sobre cadeias carbônicas e geometrias moleculares, mas estas divertiam-se com minha derrota e agrupavam-se em forma de palavras e nomes perturbadores. A fuga mais prática era alimentar o deboche da Ciência, e nesta prática insana concebi minha moléstia e o escárnio do mundo: um horror em desatino. Adeus, saprófita de entranhas, adeus.

terça-feira, março 09, 2010

De meu pecado faço crime.


Das variedades de pecados e crimes que me ocorrem agora, destacam-se os inconstitucionais, os telepáticos, os sutis, concretos, passionais e até mesmo ilógicos. Mas saiba tu, saprófita de regulares períodos, que as tais categorias dispostas acima não alimentam sequer a circunstância em que me encontrava a planejar aquele pecado/crime que, teoricamente, me faria inocente pelo silêncio e capaz de conduzir tudo ao rigor do pensamento, da idéia.

E eis que agora me encontro em um dilema doloroso, o qual me faz hesitar entre confessar as mais sujas e inescrupulosas maldades que cometi nesta úmida e murcha tarde e esconder de ti a anedota de maior significado a meu cálido e expressivo ser. Contudo, apesar de haver tempo além do que pode mensurar para que eu me decida, prontificarei-me a uma alternativa, e contarei em criptografada mensagem o que de tão errado fiz:

Foi no retorno para casa, após exatas quatro horas de dedicação e construção de felicidade duvidosa, que dei-me a refletir sobre os que me acompanhavam no trajeto, isto é, naquele caixote móvel, extenso e ruidoso havia também seres que, como eu, se flagelavam arduamente para dar cor e impulso a uma vida de aspecto penoso e sofrido. Mas dentre aquelas faces pálidas de cansaço e solidão amarga, se contrastava uma de cor viva e salpicada de pigmentos rosados nas bochechas, a qual vez ou outra se arriscava a lançar-me certa atenção, ainda que apenas eu a bombardeasse com monólogos apressados e desconexos, e saturasse o que restava de desconfortável e inquietante silêncio entre 'nós'.

Confesso que isto se seguiu por apenas dois dias, e é sabido que não se pode chamar de dia o que se limita a uma dezena escassa de minutos famintos e pontuais - sim, eu rezava para que o tempo se perdesse nas perigosas curvas que fazia o apressado motorista, com tensão só não comparada àquela do médico estagiário de um hospital regional qualquer, na realização de uma cirurgia cardíaca. E foi neste devaneio infantil de ter mais e mais dezenas de minutos com a tal face em contraste, que, talvez por estupidez inócua, me senti tocado por um pensamento com teor humorístico ímpar: E se um pneu implodisse ? E se um temporal não permitisse que prosseguíssemos com a viagem ? E se levados fôssemos para um dimensão atemporal ? E se iniciasse uma chuva aterrorizante que nos obrigasse a dividir um grupo de lugares ? - eu em meu respectivo canto esquerdo, naturalmente.

Veja, portanto, leitor amado, que de meu pecado fiz crime, e acusado por ele seria feliz absolutamente.

sexta-feira, março 05, 2010

Ensaio da insensatez.


"Não faz mesmo muito tempo que me decidi a respeito destas inúmeras tentativas de tornar vivo o gosto pela escrita", repetiriam em uníssono os que me ouvem sussurrar planos através de paredes surdas. Naturalmente, congregar simpatizantes dos suspiros desgostosos foi uma de minhas primeiras prioridades - mas basta, deixemos de lado este aspecto comercialista e pouco artístico para que possamos acessar a real razão desta 'empreitada' de letras mil !

E foi sem espera ou aviso prévio, sem ética ou timidez, que acometeu-me hoje tamanha alegria; muito semelhante ao sabor artificial de uma tenda encrustada por estacas e seus astros de pouca luz. E mesmo sem lá estar, mesmo distante daquele núcleo inacessível de suposta felicidade, poderia inferir que tal colosso reservava poucos sorrisos e acrobatas andarilhos sem perspectivas de muito sucesso, vez que há muito os ali presentes não ensaiavam arquear gargalhadas ou remexer-se por fôlego inalcançável.
Mas me justifico agora pela insensatez que instalei no que encabeça este frenesi literário, digníssimo leitor, e segue para sua degustação: tão suntuosa se mostrou esta jubilação que hesitei em dar-lhe o prazer dos relatos de minhas pupilas em dilatação e de um raciocínio desfigurado e trôpego - contudo sugiro que não se incomode por desconhecimento tamanho, visto que para tão banal e imaturo enredo já tens demasiadas críticas venenosas em punho ofensivo.

Hoje alimento idéias, e o faço com estas que se mostram como corpos d'água se ramificando, amadurecendo, virando-se, revirando-se, se desencontrando, reencontrando... ao fim de seu percurso, cortejam o temeroso mar, este representado pelo emaranhado periódico que doo a ti; adornado, claro, por minhas tão negativas reminiscências. Cuida-te, ser humano.